fonte: CREMERJ
O trabalho de uma instituição em que não há ensino, raramente é de primeira classe. Penso que é certo dizer que, num hospital com estudantes e enfermarias, tratam-se melhor os doentes, estudam-se melhor as doenças, comete-se menor o número de equívocos. William Osler (1849/1919)
Onze de maio de 2016. Com o falecimento de Clementino Fraga Filho, encerrou-se um ciclo de grandes professores de clínica médica na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Com ele, Edgard Magalhães Gomes, Luiz Feijó, José de Paula Lopes Pontes e Carlos Cruz Lima. Mestres verdadeiros, cada um com suas características, todos autênticos.
Graduado em 1939, Professor Fraga teve sua formação, em grande parte, realizada no Hospital Geral da Santa Casa da Misericórdia, onde permaneceu, como médico e professor, até 1974. Afastou-se para cumprir tarefa maior, a de assumir a direção da Faculdade de Medicina e levar adiante a implantação do Hospital Universitário.
Jovem catedrático, inaugurou o serviço da 1ª Cadeira de Clínica Médica na Santa Casa em 1957, englobando a 4ª e a 20ª Enfermarias, e que se destacou, desde o início, por seus aspectos inovadores. Dotou-o de um corpo clínico integrado por profissionais de reconhecida competência, que mantinham entre si uma competição saudável, de que resultava a atualização permanente de conhecimentos, com benefícios para pacientes e estudantes.
Incentivou o desenvolvimento de especialidades, como gastroenterologia, endocrinologia, nutrologia, alergia e imunologia, além de implantar um setor de medicina psicossomática, a cargo de Danillo Perestrello, para mostrar a necessidade de compreender o paciente como pessoa e entender a importância de sentimentos e emoções na evolução das doenças. Projetava o paciente como a figura principal no hospital, e ressaltava o ambulatório como seu local mais nobre, porque ali, em geral, ocorria o primeiro encontro com seu médico.
Vários setores de apoio, como enfermagem, nutrição e dietética, serviço social, documentação e biblioteca, compunham o serviço, favorecendo a qualidade da assistência médica e da formação dos privilegiados alunos que o tiveram como professor.
Suas visitas aos pacientes era um momento especial, aguardado por todos com grande interesse. Alunos, internos, médicos e professores se reuniam em torno do leito para ouvir a história do paciente, relatada por um estudante, e acompanhar o raciocínio clínico, a impressão diagnóstica e a orientação terapêutica do mestre. Verdadeiro texto de Clínica Médica, ao vivo.
A cada semana, havia a sempre lembrada Sessão Geral da Santa Casa, realizada no anfiteatro Alfredo Monteiro, do Serviço do Professor Mariano de Andrade, com todos os lugares ocupados por uma plateia atenta às discussões do caso clínico, coordenadas por ele, em alternância com os professores Magalhães Gomes e Cruz Lima.
Após a intensa e profícua atividade na UFRJ, em que ressalta a abertura do hospital que tomou o seu nome, retornou à Santa Casa, a suas antigas e acolhedoras 4ª e 20ª enfermarias.
Ainda empenhado na preparação de clínicos, criou, em 1993, o curso de pós-graduação em clínica médica, aprovado pelo Conselho Federal de Educação. Mais uma vez, o traço da inovação. A organização curricular contemplava disciplinas cirúrgicas, psiquiatria, epidemiologia clínica e ética médica, delimitados os conteúdos indispensáveis a tal preparação.
Na condição de chefe de clínica, recebi todo o apoio e estímulo para conduzir a execução de projetos de pesquisa, como vacinação contra Hepatite B em funcionários, médicos e professores da Santa Casa; em moradores de ruas da Lapa, cuidado pelas Irmãs Missionárias Madre Teresa de Calcutá; em funcionários, médicos, recém-natos e adolescentes carentes da Fundação Romão Duarte.
Em 1996, novo incentivo para outra importante iniciativa: um programa de educação continuada em gastroenterologia, que sob o significativo título Três Manhãs na Santa Casa, se manteve até 2013, repetindo-se, portanto, por 17 anos.
A 4ª e 20ª Enfermarias conservam seu nome. O Anfiteatro da Provedoria da Santa Casa foi o ambiente das homenagens comemorativas de seus 80 e 90 anos. Neste último encontro com colaboradores, colegas, ex-alunos e amigos, distinguiu, em sua longa trajetória, o período consagrado ao Serviço que dirigiu nesse hospital: “A todos que pertencem à 1ª Clínica Médica, pessoal docente e técnico-administrativo, reafirmo: o melhor tempo da minha vida universitária foi aquele em que trabalhamos juntos”.
Encerrou-se, com seu falecimento, um ciclo de excelência profissional, de compromisso ético com a formação médica e a prestação de serviços ao doente, motivação maior dos que dedicam sua vida à prática e ao ensino da medicina.
Milton dos Reis Arantes
Chefe da 4º e 20º Enfermarias – Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro